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Tabulae Rasae e as Falhas Cognitivas: Quando a Educação Cria Ineptos.

A curva do Efeito Dunning-Kruger

Julio F. Campos*

Neste artigo discutimos o papel do sistema educacional em geral, mas particularmente o superior, na contribuição para a formação de profissionais incapacitados para a correta compreensão dos diversos fatores envolvidos em sua área de atuação. Um foco especial é colocado sobre os que pretendem atuar em sustentabilidade por esta ser uma das áreas que exigem maior multidisciplinaridade e contínuo aprendizado.

As Falhas Cognitivas


As falhas cognitivas aqui apresentadas representam aspectos naturais da forma como construímos nossa compreensão sobre algo. Estando presentes em todas as pessoas, sem exceção, somente o conhecimento de sua existência e o reconhecimento intencional de como se é afetado por elas permite sua redução.

O Efeito Dunning-Kruger


Efeito Dunning-Kruger foi nomeado em função de seus descobridores, David Dunning e Justin Kruger, que após seu famoso estudo em psicologia cognitiva: “Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated self-assessments”. (Não qualificado e inconsciente disso: Como as dificuldades em reconhecer a própria incompetência levam a autoavaliação inflada).

A origem do estudo foi um caso particularmente interessante quando, em 1995, McArthur Wheeler decidiu assaltar dois bancos acreditando estar invisível, graças ao suco de limão que passou no rosto.

Este caso resultou no estudo citado no qual de observou, utilizando-se estudos controlados, que a capacidade de alguém reconhecer a própria incompetência em uma área é diretamente proporcional ao seu conhecimento sobre aquela área.

Em outras palavras, considerando a vasta quantidade de conhecimento sobre os diversos temas que se possa considerar, quanto mais a pessoa sabe sobre determinado assunto, maior sua capacidade de compreensão que seu conhecimento é insuficiente.

Opostamente, quanto menor o nível de conhecimento sobre a área em questão, maior a certeza do indivíduo, não apenas que exclusivamente aquilo que sabe é o suficiente, mas também que é o correto.

Assim, enquanto aqueles com alto conhecimento em determinada área tem compreensão da necessidade de contínuo aprendizado, aqueles menos conhecimento tem certeza que este é o suficiente para entender os eventos que observa. Como resultado a pessoa tenta explicar a realidade conforme o que conhece, ignorando a frequente necessidade de buscar novos conhecimentos para corretamente entender o observado.

O Viés de Confirmação


O viés de confirmação é uma falha cognitiva muito facilmente observável atualmente através da facilidade com que os populares fake news se espalham graças à facilidade provida pela internet.

Ela nada mais é que a seleção, não intencional por ser uma falha cognitiva, de informações, ou interpretação de informações, que reforcem uma crença individual sobre determinado assunto, em detrimento daquelas que possam provar tal crença errada.

Como consequência o indivíduo restringe seu processo de tomada de decisão sobre as mais variadas questões com base naquilo que acredita está correto (afinal ninguém gosta de estar errado) em detrimento da informação realmente correta e necessária.
Esta falha cognitiva é inerente e inevitável. Felizmente para as pequenas decisões cotidianas seus efeitos são razoavelmente inócuos, trazendo virtualmente pouco prejuízo.
Entretanto quando decisões importantes necessitam serem feitas, seus efeitos são potencialmente catastróficos.

O Papel do Sistema Educacional e a Tabula Rasa


Tabula rasa vem do latim e significa folha em branco, pronta para receber qualquer informação; nasce na filosofia aristotélica segundo a qual todos nós nascemos sem nenhum conhecimento, prontos para termos nosso sistema de crença, valores e conhecimentos impressos pelo mundo externo.

Em termos populares, ninguém nasce sabendo e por consequência (fundamental aqui) ninguém sabe de tudo.

Uma analogia simples sobre como ela funciona está na pessoa que dedicou sua vida a conhecer o máximo possível sobre determinada fruta de determinada árvore, mas nada sabe sobre a folha da mesma. Um caso básico de extrema especialização. Crucialmente, para o contexto deste artigo, o ponto em que esta pessoa está na curva Dunning-Kruger determina se ela sabe que precisa aprender sobre a folha ou se ela tentará entender a folha com seu limitado conhecimento.

Uma vez que cabe buscarmos no mundo externo à nossa mente o conjunto de informações e experiências no qual nosso conhecimento (capacidade pessoal de análise da informação baseada na experiência) se sustenta, ficamos sujeitos ao que buscamos (ou recebemos) para estruturar nossa compreensão sobre determinado assunto.

Obviamente, nossa mente sempre será uma tabula rasa para uma quantidade infinita de assuntos, muitos que ignoramos mesmo sabendo de sua existência e muitos sequer sabemos existir.

Como consequência, sempre que buscamos, ou somos apresentados a um novo tema, temos uma infinita gama conhecimento a ser construído geralmente do zero.

E aqui o sistema educacional tem seu papel crítico para aqueles que, tendo coragem de enfrentar nossas falhas cognitivas, buscam a ferramenta para reduzir estas falhas.

A função do sistema educacional, pré-universitário, é(ra) fornecer um informações básicas para o indivíduo poder tomar algumas decisões fundamentais na vida cotidiana, seja saber qual ônibus utilizar, entender um artigo de jornal ou controlar corretamente sua vida financeira.

Ao ensino superior cabe o refino e detalhamento destas e agregação de novas informações, e experiências, para que o indivíduo possa obter alguma consolidação do conhecimento na área de escolheu atuar.

Infelizmente atualmente, via de regra, ambos não mais fornecem a ferramenta necessária para que o indivíduo compreenda e reduza suas falhas cognitivas.

Como reduzir as falhas cognitivas


A ferramenta fundamental nada mais é que o próprio autoconhecimento, feito de forma crítica, com a coragem de conhecer nossos limites e a necessidade de continuar nosso aprendizado, mesmo que isto signifique a revisão de nossas crenças.

Quando lembramos que o fundamento para o avanço da ciência não está limitada à validação de hipóteses, mas, sobretudo à invalidação de hipóteses erradas, temos um aparente paradoxo, pois mesmo os cientistas não estão imunes às estas falhas cognitivas.

De fato a manutenção destas é reforçada pelo desestímulo a aceitação do erro, tanto que em anos recentes se iniciou um movimento científico para estimular a publicação de não resultados, daqueles experimentos que deram errados e não apenas resultados positivos, como forma de reduzir à tentativa de replicação, o estimular a correção, de métodos sabidamente falhos.

Entretanto convém ressaltar que a imersão no método científico facilita a percepção e redução destas falhas. Não à toa o Efeito Dunning-Kruger evidencia a distinção na autoconfiança entre os que de fato muito conhecem daqueles que (mais) acreditam conhecer.

Infelizmente a estrutura de ensino atual falha ao fornecer conhecimento (informação + experiência) e estímulo para a formação desta autocrítica pessoal resultando em um conjunto de tabulae rasae com absoluta certeza do que sabem sobre algo, quando na verdade muito ignoram.

No dia a dia, para o exercício de muitas profissões isto não implica em grandes problemas, exceto quando a pessoa questiona algum conhecimento estabelecido após ler um texto aparentemente bem fundamentado, mas limitado ao seu conhecimento. Nascem os terraplanistas, antivacinismo e outros exemplos extremos.

O Impacto para a Sustentabilidade


Em sustentabilidade esta falta de autocrítica é catastrófica ao direcionar a formação de profissionais para o mercado.
Sustentabilidade é uma área multi, inter e trans disciplinar cuja base de conhecimento por definição não se obtém em um único curso/atuação em uma única área.
Obviamente, como a Tabula Rasa define, dado que não podemos saber tudo, mesmo dentro de única área da atuação, percebe-se a dificuldade na formação de uma base fundamental de conhecimentos em sustentabilidade.

Independente da pessoa atuar na área ambiental, social ou econômica (a divisão mais simples do estudo da sustentabilidade) mesmo dentro destas áreas, no meio acadêmico direcionado para a formação em pesquisa existe alguma interdisciplinaridade, permitindo ao estudante vislumbrar a existência de outro conjunto de informações e conhecimento à serem buscados. Cabe a ele procurá-los **.
Isto não é observado na formação para o mercado.
Cada vez mais se observa nos profissionais formados para o mercado, especialmente em sustentabilidade, a injeção neste por parte do ensino superior de tabulae rasae com um conhecimento absolutamente mínimo , focado e direcionado para o mercado e prontos para serem moldado por este, de acordo com seus interesses.

Criticamente adiciona-se, salvo raríssimas exceções, a ausência nestes cursos da apresentação, mesmo que superficial, sobre as demais disciplinas necessárias para o correto entendimento dos problemas atuais.

Esta falha crítica é facilmente observada no engajamento de uma discussão sistêmica, ou mesmo holística, onde somente a informação da sala de aula não é suficiente, e mais ainda quando estes adentram a sustentabilidade, tentam obstinadamente explicá-la dentro da limitada bolha de seu arcabouço teórico, ignorando que a resposta existe fora deste.

Quando o Viés da Confirmação soma-se ao Efeito Dunning-Kruger temos uma tempestade perfeita, onde não se sabe que novos conhecimentos são necessários e se tem a certeza que o pouco que se sabe não apenas é todo o necessário, mas o único correto.
Some-se a falta de incentivo à autocrítica pessoal e produzimos profissionais altamente qualificados para suas áreas especificas, mas também para a perpetuação do status quo desta área, seja qual for.
Consequentemente a sustentabilidade, uma das áreas que mais dependem da contínua expansão do conhecimento por seus atores, sofre com a manutenção quase dogmática das mesmas crenças que são na verdade a raiz da insustentabilidade atual.

Ficamos então com o clássico comentário de Sócrates:

“Parece-me, então, apenas nesta questão de ser mais sábio que qualquer homem [sobre], aquilo que sei eu penso que também não sei.”

P.S.

Paradoxalmente no momento em que este foi escrito vivemos um momento que permite a reflexão sobre as crenças embutidas sobre o normal, que nos colocou na situação atual, particularmente sobre suas limitações e equívocos.

Como está sendo dito pelas redes: "se o normal causou o problemas, queremos retornar a ele?"

Veremos.


* O autor agradece a colaboração e revisão feita por Mariana Karina de Jesus Gonçalves, Psicóloga Cognitivo Comportamental.

** este texto propositalmente não cita referências bibliográficas para seu conteúdo. Cabe ao leitor determinar o motivo.



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