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Deus perdoa sempre, o ser humano raramente, a natureza nunca.



Hugo Penteado

A sexta extinção em massa é inequívoca e tem origem antropogênica, ou seja, causada pelo ser humano. Pela primeira vez ocorre uma extinção causada por uma espécie animal nos 4,5 bilhões de anos de existência da Terra. A régua temporal de milhões e bilhões de anos jamais compreenderemos, porque cada um de nós só vive algumas décadas. Nem é relevante porque a humanidade chegou no último segundo da existência da Terra e não faremos nem mossa à vida bacteriana. A vida na Terra poderá ser refeita sem nós, segundo Stephen Jay Gould.  Esperamos que dessa vez surja uma espécie realmente inteligente do ponto de vista ambiental e planetário.

O atual processo de extinção está ocorrendo sem ser necessário qualquer cataclisma, como a queda de um meteoro.  Nós somos o cataclisma e não existe nenhuma ação realmente efetiva para reverter essa situação, exceto o bliblablibló que mantém a megalomania ecosuicida. Impressionante como bancos e empresas  repaginam ideias de sustentabilidade sobre as quais já se falava 20 anos atrás e nada mudou ou muda.

Nos últimos 40 anos até 2015, segundo um estudo citado por Paul Erhlich, a humanidade dizimou metade de toda a vida na Terra. Como a destruição no primeiro ano foi infinitamente menor que no quadragésimo, isso significa que temos bem menos que 40 anos para destruir a outra metade, completando 100%. Isso ocorre por se tratar de um fenômeno em escala exponencial, exatamente o tipo de crescimento do nosso sistema populacional e econômico: em um único ano produzimos mais que em um século, segundo Lester Brown. 

David Suzuki tem um exemplo bom da multiplicação de um vírus ou bactéria em um vidro, comparando ao que fazemos dentro desse planeta: quando as bactérias completarem metade do vidro, basta apenas uma duplicação para ocupar todo seu conteúdo.  É onde a humanidade está agora. 

O agravante é que a teoria econômica falsa, porém dominante, assume que o planeta é um subsistema da economia e que os processos econômicos são neutros para uma natureza erradamente considerada inesgotável. Para errar mais ainda e, ignorar leis da física básicas, os economistas acreditam que o capital humano produzido pelo homem é um perfeito substituto da natureza. O erro visceral da teoria econômica foi trazido em evidência sem refutação alguma por Nicholas Georgescu Roegen, que escreveu em um de seus livros essa apavorante frase já em 1969 e muito antes das evidências científicas: 

Se a economia crescente do desperdício e do descarte imediato dos bens continuar, seremos capazes de entregar a Terra, ainda banhada em sol, apenas à vida bacteriana.

Roegen ainda satiriza a ignorância dos economistas, como o endeusado John Maynard Keynes, que publicou: No longo prazo todos estaremos mortos. Essa frase de Keynes foi para justificar a obsessão pelo crescimento econômico contínuo, a despeito de seus impactos negativos no curto prazo.  Roegen retruca: Como espécie animal somos praticamente imortais.  Um enorme lembrete que as gerações futuras ainda não tinham nascido para reivindicar seu quinhão na Terra, enquanto destruíamos seu futuro.  

Hoje o caos caiu sobre a cabeça das gerações atuais, não se deve mais falar em gerações futuras, mas as viventes.  Finalmente, a obsessão por crescimento econômico só serve para ajudar os mais ricos, sejam países ou famílias, porque as benesses desse crescimento só recaem sobre quem menos precisa. 

Esse modelo descrito acima é a causa da atual extinção mensurada através da supressão diária e contínua dos ecossistemas terrestres e aquáticos. Decidimos testar a resiliência da natureza e, muito antes mesmo de alcançarmos a proeza de destruir 100% da vida na Terra, o processo ganhará impulso endogenamente, sem ser necessária mais nenhuma ação humana. Por isso, a extinção total está provavelmente contratada para os próximos 10 anos. 

Para esse cenário mudar precisaríamos abandonar a teoria econômica falsa, o crescimento do PIB, a enorme desigualdade social, o modelo de sucesso e consumo material embutido nas nossas mentes desde a tenra idade, uma enorme quantidade de atividades inúteis e nada saudáveis e trazer o elemento feminino realmente para o sistema decisório, o principal vetor da sustentabilidade atual.  

Essas mudanças não são sequer cogitadas. A pandemia em curso, com suas inúmeras e lastimadas mortes, não fez nem cócegas na expansão de 100 milhões de pessoas adicionadas ao planeta anualmente, já descontados os mortos. Estranhamente, nenhuma religião ou corrente filosófica questiona a tendência do ser humano ter decidido morar sozinho na Terra, embora do ponto de vista biológico e ecológico isso signifique o nosso fim. 

Na Terra somos todos um, já dizia Buddha cinco séculos antes de Cristo. É muita ingenuidade achar que essa extinção antropogênica não irá se voltar contra nós. O planeta e a natureza são extremamente generosos, mas não são inclementes em relação ao choque global que produzimos. Isso lembra a filosofia do nunca morri: 

Escrevo esse texto agora e isso significa que até aqui não morri, mas não significa que não morrerei. O planeta nunca expulsou a humanidade da Terra, isso não significa que não irá expulsá-la. 

Como esse texto é longo demais e fora da praxe da geração atual de não ler mais nada, quem chegou até aqui, ao invés de dar-lhes um prêmio, gostaria de dizer que esse texto reproduz um conhecimento coletivo desde os anos 1960. Essas falas foram ignoradas por 70 anos até hoje, apesar das evidências confirmatórias e desconcertantes, das quais a tragédia climática é apenas uma delas. 

As razões para mudarmos estão na mesa faz tempo, mas o interesse econômico de umas dezenas de pessoas impede de irmos nessa direção, além de evitar a universalização dessa mudança, pois escraviza mentalmente e economicamente todos nós. Não adianta uns poucos de nós estarmos preocupados com essa mudança tão necessária. Sem escala humana, nada será diferente do fim da vida na Terra e nem teremos tempo extra para evitá-la. 

A discussão elitizada sobre como devemos mudar nosso comportamento, enquanto bilhões estão completamente alheios às péssimas decisões que são tomadas contra nós, não nos levará a lugar algum. Somente a criação de um novo modelo local e não mais global, além de universalizado, nos salvará.

Não somos deuses, somos apenas uma espécie animal a mais na Terra. Isso inclui todo mundo e, infelizmente, os demais seres vivos, vítimas da crueldade que já se voltou contra nós.

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