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Considerações sobre Agroecologia e Agropecuária Tradicional


Julio F. Campos

(nota, agroecológico será usado aqui como um termo guarda chuva englobando sistemas agroflorestais, sintrópicos e outros que trabalhem dentro dos limites de seus sistemas).

Por essas voltas que a vida dá, estou atualmente envolvido no desenvolvimento de um índice de sustentabilidade para sistemas agroecológicos nos estados da Amazônia legal.

Uma das primeiras perguntas que me foi feita nessas andanças foi: Como um oceanógrafo veio parar no meio da Amazônia trabalhando com agroecologia?

Naturalmente é uma pergunta complexa e tive de explicar minha trajetória, mas em resumo tem sido uma oportunidade fantástica para não apenas testar a aplicação de meus conhecimentos adquiridos até o momento, mas, sobretudo, aprender novos e desaprender velhos. E essa oportunidade de aprender/desaprender não é algo que eu deixe passar facilmente.

Comentários sobre o tema em redes sociais me levam a escrever este texto resumindo alguns dos novos aprendizados adquiridos sobre como o funcionamento de um sistema agroecológico não apenas de opõe ao agropecuário tradicional, mas também desconstrói conceitos de produtividade deste que são usados como métricas pétreas para medir o sucesso da produção.

Duas destas métricas serão tratadas aqui.

Produtividade por área.


O critério básico de qualquer sistema produtivo é apresentar o quanto se produz por área. Quanto maior a produção em uma mesma área, mais bem sucedido o sistema é.

O problema é esta ser uma medição puramente quantitativa.

Naturalmente com a aplicação de um esforço produtivo intenso a produção tende a crescer, mas existem problemas aqui.

Não é ignorado que este modelo resulta eventualmente em exaustão do solo, não sendo renovável de forma alguma assim como exporta excedentes químicos que contaminam os ambientes adjacentes.

Portanto sabe-se que a qualidade do ambiente tende sempre a se degradar. Ah essa entropia, sempre atrapalhando a economia.

Mas e a qualidade da produção em si? Como ser medida?
Um conhecimento que adquiri, e que hoje me é tão óbvio que parece ridículo não saber dele antes é que esta métrica de produtividade é inversa quando se analisa a unidade produtiva.

Um dos focos de minhas viagens é a produção agroecológica de cacau e quando comparado in loco com sistemas tradicionais, a questão da mensuração da qualidade se tornou simples.

É possível mostrar um sistema tradicional com maior produção por área. Nenhum problema aqui. Mas quando reduzimos para a unidade de produção, o pé de cacau, a situação que temos é oposta. Em um sistema agroecológico uma árvore de cacau produz mais que uma árvore em um sistema tradicional.

O motivo está na qualidade ambiental em que a árvore cresce. Ao fornecer condições naturais para seu desenvolvimento, fertilizantes naturais (composto) que não saturam a árvore com nutrientes desnecessários, ao permitir que os serviços ambientais desenvolvam seu papel de controle de pragas e ao aprender a conviver com elas (vi casos da temida vassoura de bruxa, mas ao invés de destruir o pé para controlar a infestação o agricultor gerencia a doença, mantendo-a a níveis inferiores a 10% das árvores) o sistema garante uma árvore mais saudável e, portanto, mais produtiva.

Então temos uma métrica que aponta para o oposto do tradicionalmente usado. A produção por pé é mais importante que a produção por área, pois se a produção por pé cai, sabe-se que a saúde, e por consequência a qualidade do produto, está caindo.

O Problema das Vacas


Outra métrica interessante que se mostra distorcida ao comparar ambos os sistemas é o retorno do investimento. A ideia comum é que o aumento da produtividade resulta em maior retorno. Será mesmo tão simples?

Aqui vou utilizar um exemplo dado nestas viagens.

Considere dois produtores de leite, um tradicional, intensivo, o outro agroecológico.

O primeiro produz quarenta litros de leite por vaca enquanto que o segundo produz dez. Naturalmente parece claro que o modelo produtivo do primeiro é mais eficiente afinal temos maior produção por animal (lembra-se da produção por área?).

Há um problema, não necessariamente óbvio, nesta conta.

O produtor agroecológico tem suas vacas soltas se alimentando do pasto de sua propriedade, mas também outra vegetação presente (foi curioso saber que vacas comendo o cacau no pé não prejudicam a produção nem de cacau nem de leite, volto nisso depois) além de se beneficiarem de um microclima mais agradável (ninguém gosta de passar calor).
Estes e outros fatores que resultam em animais mais saudáveis.
O produtor tradicional intensivo irá apresentar sua produção quatro vezes maior e, portanto mais lucrativa, mas ela o é de fato?

Quando me apresentaram está análise ficou clara a distorção nesta métrica. O produtor tradicional não produz trinta litros de leite a mais que o agroecológico. Enquanto este depende apenas de sua fazenda para fornecer o necessário aos animais, aquele não pode se dar este luxo e necessita importar praticamente todo o necessário para manter sua alta produção.

Como resultado, suas vacas criadas em confinamento, em condições impróprias a elas não possuem a mesma saúde que as criadas em sistema agroecológicos. Assim, de seus alegados quarenta litros de produção, sua produção efetiva é inferior aos dez litros do outro produtor.

E a diferença? A diferença não é leite, é gasolina, eletricidade e os demais insumos necessários para manter a alta “produtividade”.

Desta forma foi interessante notar e aprender sobre estas distorções que mascaram uma falsa eficiência de sistemas tradicionais quando comparados aos agroecológicos, ignorando os custos externos da produção e seus impactos na mesma e no ambiente em que se insere.

Ah, mas não se pode fazer isso na escala de produção tradicional.
Não, e nem se deseja. O uso intensivo, mecanizado, em larga escala para produção não é compatível com o modelo agroecológico, e muito menos com a qualidade de produtos deste.
Ok, então nós dependemos do modelo tradicional para manter os níveis produtivos necessários.

Não. Por dois motivos.

A falta de alimentos decorre do desperdício, não da falta de produção. Ponto.
A fome é um problema moral, não técnico.
As grandes áreas de produção podem manter, ou aumentar sua produção ao se converterem em centenas ou milhares de pequenos produtores agroecológicos produzindo com qualidade ambiental e social.

Naturalmente é ruim para os negócios deixar de controlar áreas gigantescas para controlar poucos hectares.

Mas e a vaquinha comendo cacau? Como melhora a produtividade de ambas se está comendo produto??

Ao comer os frutos mais baixos, sim ela come o mais fáceis de colher, mas também seleciona assim os mais jovens e fracos, permitindo que os demais cresçam com mais nutrientes e tenham mais qualidade.

Já as vacas tendo acesso a uma dieta diversificada ficam mais fortes. Ao habitarem um ambiente sombreado sofrem menos stress físico pela temperatura. Tudo resulta em animais mais saudáveis e melhor qualidade de seu leite.

E como sabemos alimentos saudáveis e de qualidade resultam em maiores preços no mercado.

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