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Combates Aéreos e a Falha na Gestão de Riscos


Julio F. Campos

Combates Aéreos

1943. Bombardeios aéreos dominam os céus da Europa continental em uma tentativa de aleijar a capacidade da indústria bélica alemã, acelerando o final da Segunda Guerra Mundial.

Não sem grandes perdas face à feroz defesa remanescente da Luftwaffe, seriamente afetada após sua derrota na Batalha da Inglaterra, e forte barragem de fogo antiaéreo.

A dificuldade de reposição das caríssimas aeronaves e suas altamente qualificadas tripulações impôs um sério problema para o comando da força aérea:
Como reduzir as perdas de aeronaves?
Na tentativa de encontrar a solução para o problema foi iniciado um cuidadoso monitoramento dos locais aonde os bombardeiros recebiam mais danos.

Algo parecido com a figura abaixo resultou deste levantamento.

A conclusão era clara, as áreas mais danificadas necessitariam receber melhor blindagem para garantir a sobrevivência das aeronaves.

Não alheia à importância dos grupos de cientistas colaborando no esforço de guerra, o Grupo de Pesquisa em Estatística (Statistical Research Group) em Manhattan foi contatado pela força aérea e recebeu os dados obtidos para determinar os melhores locais a serem reforçados.

Analisando o problema Abraham Wald, brilhante matemático, apontou para uma solução, inicialmente, inusitada.

No que ficaria conhecido como “O Problema das Balas Perdidas” ele apontou que blindagem deveria ser colocada nas áreas não atingidas ou pouco atingidas pelo fogo inimigo.

Aparentemente em uma conclusão contraditória, Wald compreendeu o erro de percepção da força aérea na análise do problema.

Por motivos que ficaram óbvios após sua análise, os danos recebidos somente podiam ser observados nas aeronaves que sobreviviam, enquanto o objetivo do estudo era reduzir o número das que se perdiam.

E os dados obtidos, ou mais especificamente os dados ausentes, expunham justamente que as áreas não atingidas das aeronaves sobreviventes eram as áreas vitais onde, quando atingidas, derrubavam aqueles que não sobreviviam ao combate.

Os danos conhecidos, embora corretos, não eram relevantes, pois permitiam a sobrevivência da aeronave e sua tripulação e, portanto, não solucionariam o problema, além de apontarem para uma solução errada. Maior blindagem nos pontos atingidos não salvaria mais bombardeiros.

A percepção incompleta e distorcida do problema poderia ter resultado em maiores perdas de vidas.
Wald percebeu que não havia um problema matemático, mas sim um erro de lógica, conhecido como “Viés do Sobrevivente”, o qual se caracteriza por uma falha cognitiva que leva as pessoas a não observarem o foco real da questão, frequentemente por este não ser óbvio ou claro. Em alguns casos por óbvia incapacidade de compreender o que não se conhece (hipo cognição) ou mais frequentemente falta de adequado preparo para observar o sistema como um todo.

Gestão de riscos

Atualmente vivemos em um mundo à beira do caos. Enquanto pessoas trabalham mesmo em prejuízo de sua saúde e empresas reúnem volumes enormes de métricas, sem obter resultados palpáveis proporcionais ao esforço (não raro ouço pessoas da sustentabilidade corporativa comentarem que não sabem o que fazer com tantos dados, ou que seus dados não são adequados (quais seriam?)).

A causa dos riscos que vivemos, sobretudo os socioambientais (não esquecendo aqui que “social” inclui os próprios funcionários das empresas), aparenta não estar sendo adequadamente percebida.

Enquanto focamos em eliminar plásticos, desenvolver processos produtivos com bases sustentáveis, modificar nossa matriz energética para fontes renováveis, assinar acordos e definir metas e compromissos ambientais as nossas emissões continuam a subir, milhões de refugiados climáticos são esperados nos próximos anos com o colapso das áreas produtivas, espécies são extintas e outras milhares de pessoas morrem anualmente por doenças ligadas à poluição aérea.

O problema da poluição aérea é um claro exemplo do viés do sobrevivente, pois enquanto ações buscam compensar as emissões de carbono, as demais emissões associadas, de impacto local, são ignoradas.

Assim como os oficiais da força aérea na Segunda Guerra Mundial, estamos mapeando perfeitamente onde estamos sofrendo danos.
Então porque continuamos a cair?
Qual a causa real dos riscos com o qual não estamos lidando para reverter a tendência do colapso climático e ecológico?
Onde estão as balas perdidas da sustentabilidade?
Conforme conhecido desde meados do século XIX,  as balas estão concentradas no único ponto para onde nosso sistema se recusa terminantemente a modificar, a necessidade constante de crescimento.

A atitude consumista da população, não desencorajada por nenhuma indústria, muito pelo contrário, é a causa última de nossa insustentabilidade e da degradação socioambiental.

Propostas para fugir do problema do "necessário" crescimento não faltam, grande parte curiosamente focada na conscientização do consumidor para consumir de forma sustentável, mas não para consumir menos.

Enquanto consumidores buscam culpados e apontam o dedo para governos e corporações, exigindo que estes tomem alguma atitude para salvar o planeta, mas sem prejudicar seu estilo de vida,  paradoxalmente é tarde demais para ações individuais fazerem alguma diferença.

Por um lado temos uma indústria tentando ser sustentável, mas sem largar o osso do crescimento constante enquanto por outro temos consumidores os quais por distintos motivos não são capazes de tomar as corretas decisões.

Não há novidade alguma nos problemas que enfrentamos. Estamos sendo alertados há décadas.
Mas escolhemos nada fazer e tentar tapar os buracos das balas que nos são mostradas.

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