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O Lado B da Economia Circular

Julio F. Campos

A economia circular (EC), ou regenerativa, já há alguns anos, vem despontando como uma revolucionária alternativa ao corrente modelo de produção sendo abraçada por um crescente número de governos e empresas.

Seu conceito visa introduzir no sistema produtivo mecanismos de feedback similares aos existentes em sistemas naturais, eliminando a característica linear explore-produza-descarte em favor de uma estrutura baseada em ciclos de reuso e reciclagem reduzindo, assim, tanto o volume de resíduo descartado quanto o de insumos naturais explorados.

Modelo básico da estrutura da Economia Circular

Englobando diferentes iniciativas, como do berço ao berço, biomimetismo ou ecologia industrial, neste cenário o meio ambiente deixaria de ser um mero reservatório de recursos / resíduos, mas um coadjuvante do processo econômico, fornecendo propostas para o desenvolvimento de soluções econômicas sustentáveis.

Ou assim parece.

Os Feedback

Embora a CE se fundamente na proposta de uso de mecanismos de feedback inspirados nos sistemas vivos, a noção que a inclusão de ciclos de feedback no sistema produtivo, no sentido de retroalimentação de recursos, demonstra um erro fundamental na compreensão do funcionamento de sistemas vivos, i.e. Sistemas complexos.

Sistemas complexos não são caracterizados por seus ciclos internos de feedback e sim pela característica que estes têm de, em resultado do conjunto de suas interações, controlar a operação do próprio sistema. Assim, mais do que fornecer mecanismos de ciclagem interna de recursos (por recursos entenda-se energia+matéria), o sistema de feedback é responsável pela estabilidade operacional de um dado sistema.


Sistema linear e feedback de retroalimentação e controle

Quando considerados em escala não global, os sistemas vivos não dependem apenas de seus controles internos de feedback, sendo também controlados pelas interações com os demais sistemas de seu entorno (interação direta) ou não (interação indireta). Isto significa que a disponibilidade externa ao sistema de depósitos de recursos ou descarte são fatores de feedback de controle atuando em conjunto com os mecanismos internos, garantindo a correta operação de um determinado sistema. 

Esta característica, no entanto, é consequência de um elemento fundamental derivado da evolução dos sistemas naturais o qual determina que, em escala global, estes são na verdade subsistemas integrados de um único sistema, cuja principal característica é ser, em nossa escala temporal, fechado. 

É fundamental que seja feita a correta distinção: Embora em escala não global estes subsistemas operem como sistemas complexos abertos, em escala global eles são meros componentes de um único sistema complexo fechado cuja evolução determinou a evolução de seus subsistemas. Este entendimento é crítico, pois na análise de sistemas locais de produção não deve esquecer que, em escala não local, estes sistemas não são de fato abertos.

Estas duas características, possuir feedback interno e externo de controle enquanto compõe um sistema fechado maior, não são consideradas dentro das propostas, tipicamente locais, de EC, uma vez que estas estão focadas apenas na manutenção máxima da reciclagem interna de matéria, ignorando que:
  • Inexistem sistemas externos ao econômico para fornecer recursos / absorver resíduos e;
  • O feedback mais importantes não é relacionado à reciclagem / retroalimentação, mas ao controle da operação do sistema.
Isto fica claro quando se observa que, considerando que a EC opere em seu limite termodinâmico de eficiência, ela não apresenta propostas para eliminar nem a demanda por recursos “externos” ao sistema ou por de um “sistema externo” para absorver os resíduos, independente do volume demandado ou gerado; seja por serem termodinamicamente ou economicamente impossíveis de eliminar.

Estas demandas decorrem, pois, da sua proposta de reduzir o consumo de recursos / emissão de resíduos, mas não o volume do que se é produzido, mantendo assim a estrutura tradicional interna do ciclo econômico. Uma vez que, conforme definido pelo paradoxo de Jevons, a redução no consumo de recursos naturais está ligada ao não aumento do consumo dos produtos deles derivados, sabemos que a manutenção dos padrões sociais de consumo torna qualquer tentativa de beneficio ambiental derivado da ação econômica irrelevante, apresentando-se de fato como um paliativo. 

Pulverização do consumo / descarte

As propostas de EC se apoiam também na ideia de captação mínima de recursos e exportação mínima de emissões (sólidas, líquidas ou gasosas).

Aqui, o problema que se observa na apresentação do conceito está no fato que cada etapa de um determinado processo produtivo possui suas próprias demandas por recursos / descarte para ser operacional.


Fluxos de energia/matéria em cada etapa de um dado processo produtivo.

Como consequência, cada etapa do processo implica em depleção de recursos e incremento de resíduos, particularmente entropia e, por consequência, um aumento no consumo de recursos e emissões quando considerado o processo em sua escala total.

Desta forma, o consumo/descarte não é característica de determinados pontos do processo produtivo, mas estão dispersos ao longo de toda a sua cadeia e devem ser corretamente contabilizados para determinar de fato seu resultado líquido.

Assim, mecanismos de controle de consumo de produtos finais devem ser aplicados em cada processo, sob a pena de anular os benefícios obtidos pela queda de consumo em uma etapa pelo incremento em outra.

Sistemas “externos”

Conforme apresentado, sistemas vivos fazem parte de um sistema amplo e fechado.

Embora em escala local um determinado sistema produtivo possa ser considerado, didaticamente, aberto podendo importar/exportar recursos/resíduos, o conjunto integrado de todos os sistemas produtivos é um componente de um sistema fechado, o qual limita a operação de seus subsistemas. Como resultado, a característica de importar/exportar de um sistema aberto somente pode ser considerada se, e somente se, não se ignorar que ela é subordinada à capacidade dos sistemas adjacentes em fornecer/absorver os recursos/resíduos de um dado sistema.

Assim, mesmo que conceitualmente possa ser aceita a ideia da existência de sistemas externos, e fundamental manter em mente que tais sistemas afetam e são afetados pela operação do sistema que se estude, não ignorando que em última estância todos são na verdade um único sistema.

Como conclusão, verifica-se que, embora a EC venha a apresentar uma acolhedora proposta para lidar com a crise ambiental, deve-se ter em mente que ao não focar primariamente na questão da escala de consumo de produtos, suas propostas podem não ir além de meros paliativos à situação atual, quando não em um grande agravante da mesma.

 Leitura complementar



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