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Por que o maior obstáculo para a sustentabilidade corporativa é a linguagem financeira.

Julio Campos

Em recente artigo publicado na Época Negócios se discute qual seria o maior obstáculo para o avanço da sustentabilidade corporativa.

O texto pode ser resumido na observação de que os envolvidos com a área de sustentabilidade carecem de capacidade para traduzir suas demandas em valores que a corporação, com enfoque particular para o financeiro, possa compreender.

Resumidamente, segundo o autor, conclui-se que “Não saber como articular os benefícios financeiros de projetos de sustentabilidade é o maior obstáculo da sustentabilidade corporativa.”.

Esta é de fato uma deficiência, pois não é comum nos cursos de formação o ensino das disciplinas necessárias para esta interface nas comunicações, o que nos remete à velha discussão sobre pessoas falando línguas diferentes.

No entanto, embora apresente pontos que de fato são pertinentes para a questão da sustentabilidade, a conclusão está equivocada, pois reduz a sustentabilidade estritamente aos limites físicos da corporação, ignorando suas inúmeras ramificações.

Adicionalmente, encontra-se ausente na frase o termo de maior importância na linguagem corporativa; O crescimento. Corrigindo-a para representar a realidade encontrada no meio corporativo temos: “Não saber como articular os necessários crescentes benefícios financeiros é o maior obstáculo da sustentabilidade corporativa.”.

Analisando por partes, conforme colocado, é de fato uma deficiência de formação não conhecer as disciplinas necessárias para este diálogo, em ambos os lados da mesa. Poucas grades curriculares de graduação apresentam aquelas necessárias para que os estudantes das carreiras (dedicadas à atuação no mercado) relacionadas ao meio ambiente, como gestão ambiental, engenharia ambiental e outras, e mesmo algumas dedicadas à academia apenas as apresentam superficialmente em programas específicos de mestrado ou doutorado.

Por outro lado, as disciplinas necessárias para que os formados em carreiras corporativas, administração, finanças, etc... sequer são comentadas nem mesmo nas pós-graduações em sustentabilidade dedicadas à este público.

Tais disciplinas necessárias, para quaisquer profissionais de alguma forma envolvido no processo de sustentabilidade, direta ou indiretamente, podem ser resumidas à apenas quatro, Economia do Meio Ambiente, Economia Ecológica, Teoria de Sistemas Complexos e Termodinâmica (para o leitor interessado um maiores detalhas, uma discussão sobre elas é apresentada ao final do texto*).

Se a linguagem da sustentabilidade não é adequada à empresas,  a linguagem financeira é adequada para a sustentabilidade?

Conforme citado do artigo “Não saber como articular os benefícios financeiros de projetos de sustentabilidade é o maior obstáculo da sustentabilidade corporativa.”.

A linguagem financeira se baseia em benefícios financeiros. Qual ação trará maior ou menor benefício, ou maior ou menor redução de custos. Enfim, o maior retorno possível.

Esta tão importante linguagem, ignorando a linguagem da sustentabilidade, trouxe alguns resultados interessantes ao longo do tempo, mas que obviamente não foram aprendidos pelos todos poderosos da administração e do conselho.

  • A contaminação ambiental causada pela explosão do reator de Chernobyl devido à inexistência das estruturas de contenção (redução de custos).  
  •  O derrame de petróleo da Deepwater Horizon no Golfo do México (o maior da história) causado por equipamento inadequado (redução de custos). 
  • O anterior derrame do Exxon Valdez no Alasca, o mais famoso da história até o Deepwater Horizon, cuja falta de equipamentos adequados à imediata contenção do derrame causaram danos irreparáveis (contenção de custos). 
  • O recente desastre de Brumadinho, mesmo após os órgãos ambientais terem alertado para o risco (maximização de rendimentos).
  • A bomba relógio da redução de custos em segurança e saúde na indústria da construção britânica (redução de custos)
  • Mais recentemente os acidentes com o Boeing 737 Max devido à opção de redesenho de software e não do design das asas (maximização de rendimentos).
Se formos listar a quantidade de vezes que a linguagem financeira resultou em tragédias ambientais e humanas iremos continuar indefinidamente. Para a empresa, os benefícios financeiros são evidentes e inegáveis, assim como a contagem de vítimas derivadas destes benefícios.

O artigo citado no início deste texto comenta que não é possível utilizar o apelo da reputação na discussão com os responsáveis pelo processo decisório na empresa.

Qual a reputação da Exxon, BP, Vale, Boeing e muitas outras?
O fato inegável é: A prestigiosa e indispensável linguagem financeira É a responsável pelos problemas de sustentabilidade.

Pergunta-se então, como é possível que se deseje utilizar a mesma ferramenta que causou os problemas para solucioná-los?

Este é o pressuposto da sustentabilidade fraca, a qual busca manter os fins mudando os meios enquanto ignora as causas.

Não, o único obstáculo para a sustentabilidade não é “não saber como articular os benefícios financeiros de projetos de sustentabilidade”.
É não querer aceitar os malefícios das demandas financeiras com as necessidades da sustentabilidade.
Podem argumentar, como esperado, que a teoria toda é linda mas que nós precisamos de soluções práticas realistas. Bom, me parece que foram justamente estas soluções práticas realistas que causaram os problemas que temos hoje, as mesmas que continuam sendo buscadas, e ensinadas, por profissionais de sustentabilidade cujo compromisso para com esta é, no mínimo, duvidoso.


*Sobre as Disciplinas

Para os que buscam formação em sustentabilidade temos:

A Economia do Meio Ambiente. Braço da economia tradicional é responsável por fornecer os métodos de valoração ambiental necessários para traduzir em termos monetários, compreensíveis ao financeiro, as questões relativas à sustentabilidade.
A Economia Ecológica. Braço econômico da ecologia é fundamentalmente responsável por fornecer o conhecimento necessário para compreender as limitações, e o significado destas, dos métodos fornecidos pela disciplina anterior. Embora ambas façam usos dos mesmos métodos, a análise dos resultados é distinta em função da visão integrada da economia ecológica com as demais ciências, particularmente com a próxima disciplina.

Embutida nestas e necessárias para aqueles do corporativo que buscam formação complementar em sustentabilidade:

A teoria de sistemas complexos. Talvez uma das disciplinas mais importantes para a compreensão da sustentabilidade ela é a responsável pelo conceito fundamental para o entendimento dos limites da tradução da linguagem da sustentabilidade para a financeira.

  • As propriedades emergentes. Equivocadamente conhecidas por alguns como sinergias, são na verdade o resultado destas. Estas propriedades tratam do aspecto clássico de sistemas complexos segundo o qual o todo não pode ser resumido à soma de suas partes, pois tal soma resulta na emergência de novos e imprevistos componentes. Resumidamente, as propriedades emergentes nos dizem que em sustentabilidade 1+1 nunca irá resultar em dois.

Mas como estas disciplinas podem nos indicar que o uso da linguagem financeira é o problema?

Da economia ambiental temos as ferramentas para traduzir a pontos relativos à sustentabilidade para termos financeiros, mas ela mesma aponta dois problemas inerentes às próprias ferramentas.
  •  Aquilo que pode ser valorado somente pode ser feito indiretamente. Para se estimar o valor do serviço de sequestro de carbono de uma floresta se analisa o conteúdo do mesmo nas árvores. Como cada espécie absorver carbono a diferentes taxas, quanto maior a biodiversidade vegetal, maior a dificuldade em se obter valores precisos. 
  •  Somente o que é tangível pode ser valorado. Uma vez que o tangível, o físico, representa uma fração da estrutura de um sistema, aquilo que se valora sempre representará uma ínfima parcela do total.

Da economia ecológica, partindo do item acima, e considerando as propriedades emergentes, aprendemos que o valor de um sistema é superior ao que pode ser mensurado e, como consequência, temos o princípio da precaução. Princípio fundamental, ele nos aponta a necessidade de termos cuidado no processo de tomada de decisão, pois existem parâmetros desconhecidos que podem resultar em danos irreversíveis.

Conclui-se destas disciplinas, parafraseando William Bruce Cameron, que
“Nem tudo o que é importante pode ser mensurado importa e nem tudo o que importa pode ser mensurado”.

Resumidamente esta seria a linguagem da sustentabilidade.

Mas e a quarta disciplina mencionada acima, necessária ao corporativo para a compreensão de seus próprios limites?

Sem dúvida mais importante de todas, permeando qualquer área do conhecimento de alguma forma ligada à questão da sustentabilidade temos a disciplina que define o funcionamento de qualquer sistema. A Termodinâmica, particularmente sua segunda lei, a entropia.

A entropia, para não entrarmos em detalhes técnicos, é responsável pelo entendimento, certamente familiar ao leitor, de que é impossível o crescimento infinito em um planeta finito.

Desta forma, conclui-se a estrutura teórica necessária ao levar o profissional à compreensão que a linguagem financeira é insuficiente para traduzir a real relevância da sustentabilidade assim como a impossibilidade física do contínuo crescimento.

Assim temos as carências de formação que dificultam o diálogo. Aqueles provenientes dos cursos ligados ao meio ambiente carecem do conhecimento em economia para compreender e traduzir suas necessidades para o corporativo. Por outro lado o corporativo carece das disciplinas necessárias para compreender os limites de sua própria linguagem.

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